Secret quer colaborar com as autoridades brasileiras, e aqui no Brasil

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Nas últimas semanas, o aplicativo Secret ganhou as manchetes da mídia brasileira, desde que a Justiça do Espírito Santo determinou, em decisão liminar, no dia 19 de agosto, a retirada do app das lojas do Google e Apple e do Cryptic, de funcionamento similar, da loja da Microsoft, atendendo a uma ação civil do Ministério Público do estado.

A determinação foi prontamente atendida pela Apple, que removeu o Secret da APP Store no Brasil. O Google decidiu aguardar o recebimento da notificação judicial para agir. Além de determinar a suspensão do aplicativo, a Justiça decidiu ainda que as empresas deveriam também remover remotamente o aplicativo dos smartphones das pessoas que já o instalaram. Determinação difícil de ser aplicada, mas não impossível.

Esta semana, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro informa ter enviado para a Apple Computer Brasil e o Google Brasil uma recomendação  sobre os aplicativos que disponibilizam em suas lojas virtuais. O MPF pediu que as duas empresas atentem mais à Constituição Brasileira e, especificamente, ao Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), aprovado este ano. A orientação surgiu após a polêmica envolvida com o aplicativo Secret.

Além dos inúmeros casos de cyberbulling, segundo o MP do Rio foram relatados crimes de pedofilia, a partir da postagem anônima de fotos pornográficas de crianças e adolescentes através do Secret.

O Ministério Público Federal pediu maior atenção em relação à vedação do anonimato e à proteção do direito à privacidade dos cidadãos brasileiros, conforme exige a Constituição. As empresas de apps também são obrigadas a guardar os dados pessoais e conteúdos por, no mínimo, um ano para que a Justiça consiga buscar e identificar supostos criminosos na rede, de acordo com o artigo 13 do Marco Civil da Internet.

A entidade deu um prazo de 180 dias, sob pena da adoção das medidas judiciais, para que Google e Apple se adequem aos itens da recomendação. Entre eles, as empresas devem disponibilizar aplicativos com termos de uso e política de privacidade traduzidos para o português. As duas empresas tem 30 dias para informar sobre as medidas tomadas para o cumprimento das recomendações.

Diante dos fatos, o Secret decidiu agir de forma proativa no país, aproximando-se das autoridades brasileiras com a intenção de esclarecer o que considera mal entendidos. Tarefa do advogado Dirceu Santa Rosa, do Rio de Janeiro, especialista em Direito Digital e recém-chegado como sócio da Licks Advogados .

Segundo Santa Rosa, o Secret demorou a agir por não ser parte na ação movida pelo Ministério Público do Espírito Santo, nem na ação movida em São Paulo, que corre em segredo de Justiça. “Mas como no Rio de Janeiro ainda está em fase de procedimento investigativo, o Secret decidiu por bem colaborar com as autoridades para comprovar que se adequa à Constituição e ao Marco Civil da Internet e que tem ferramentas para retirar conteúdo e tentar ajudar as autoridades brasileiras a  identificar criminosos que utilizaram o aplicativo do nosso cliente de forma abusiva”, comenta Santa Rosa.

Anonimato
Para a procuradora da República Ana Padilha Luciano de Oliveira, aplicativos como o Secret “contrariam a legislação por possibilitar que pessoas ofendam umas às outras, acobertadas pelo manto do anonimato, numa clara ofensa aos direitos constitucionais de proteção à imagem e à privacidade”.

Mas um parecer assinado por Carlos Affonso, Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), fundamenta a argumentação de que o Secret atende a todos os requisitos da legislação brasileira. Inclusive à Constituição, no que diz respeito ao anonimato.

“O que o Secret promete é uma expectativa de anonimato. Não existe o anonimato, uma vez que todos os usuários podem ser identificados pelo Secret, que deixa isso muito claro nos termos de uso, agora devidamente traduzidos para o português, assim como suas polices”, explica Santa Rosa.

De acordo com o próprio Carlos Affonso, como “a empresa comunica em seus termos de uso que compartilhará essas informações caso solicitada pelas autoridades competentes em caso de dano, atende assim à finalidade do preceito constitucional que tutela a liberdade de expressão, mas veda o anonimato como forma de evitar a consequente responsabilização pelos abusos na manifestação do pensamento (art. 5, IV, CFRB)”.

De fato, o anonimato passa longe quando o assunto são os dados pessoais de quem usa o aplicativo. O app tem IP, e-mail, número de celular e conta do Facebook de todos os usuários. Em seu termo de uso, promete dificultar a identificação do autor das postagens apenas entre seus seguidores, mas nunca para atender requisições da Justiça. Na prática, portanto, o anonimato não existe, uma vez que postar mensagens sem deixar nenhum rastro é algo que não acontece.

Vários advogados concordam com essa interpretação.

Antes mesmo de toda polêmica em torno do app, o especialista em segurança digital da Simply, Renato Ribeiro, já havia alertado a repórter Nathália Mendes, do Portal EBC, que as pessoas acreditam estar anônimas e acabam se expondo, mas que o anonimato prometido pelo Secret é um mito. “O sistema identifica o post e o vincula ao telefone e e-mail da pessoa. Tem o vínculo de quem publicou, horário e, ao permitir a geolocalização, dá para saber exatamente onde você está”, argumenta.

Também à EBC, Vinícius Tini Garcia, especialista em Direito Digital, que atua na Tini Garcia e Souza Advogados, lembrou que “apesar do anonimato vedado pela Constituição, ele tem função social e é um direito em várias outras situações. É o caso do sigilo da fonte e do sigilo profissional, por exemplo. Sem falar nos casos que o anonimato é a única maneira de...

fazer uma denúncia. Não dá para considerar que tudo que é feito de forma anônima traz um dano”.

Tini Garcia entende que postar algum conteúdo anonimamente em uma comunidade fechada faz com que o conteúdo fique restrito ao aplicativo – e desta forma, sujeito aos termos de uso estabelecido pela empresa. “Se a pessoa expande isso para outras redes sociais, isso deixa de ser anônimo. Ela publicará em um perfil público e postará em nome dela. Mesmo que ela tenha postado um conteúdo que não é dela, ela assumirá responsabilidade por aquilo e responderá por possíveis danos que a disponibilização deste conteúdo pode causar”.

A pessoa, não a rede social ou, no caso do Secret, o aplicativo. Isso só aconteceria, se uma vez notificado, a remoção do conteúdo não fosse feita.

Remoção de conteúdo
Com relação aos pedidos para remoção de conteúdo, o caso do Secret será o primeiro em que os mecanismos previstos no Marco Civil para proteger o intermediário serão usados.

O advogado do Secret, Dirceu Santa Rosa, garante que o app segue todas as regras do Marco Civil. A empresa responsável pelo app guarda todos os registros dos últimos seis meses. E sempre que foi notificada por usuários sobre conteúdos ofensivos, através do e-mail [email protected], retirou o conteúdo do ar, sem discutir, em menos de 24 horas.

De acordo com o próprio Secret, dezenas de pedidos são recebidos por dia, encaminhados por usuários do Brasil. Desde sua disponibilidade nas lojas de aplicativos brasileiras, tanto da Apple quanto da Google, o app já recebeu centenas de pedidos de remoção e cumpriu todos, sem exceção.

Por isso, chamou atenção dos sócios da empresa responsável pelo app o fato de, no caso do MP do Espírito Santo, ela própria não estar citada como parte na ação, apenas as empresas donas das lojas de aplicativos. “Embora não tivesse sede no Brasil, uma ordem judicial para identificação dos responsáveis pelas postagens consideradas como indevidas poderia ter sido enviada à matriz da Secret e qualquer situação poderia ser resolvida com brevidade”, explica Santa Rosa.

Carlos Affonso, do ITS, concorda. Segundo ele, “o mecanismo de denúncia e remoção de conteúdo ilícito adotado pelo Secret está de acordo com o regime de responsabilização e retirada de conteúdo adotado pelo Marco Civil da Internet, já que a Lei no 12.965 não impede o provedor de aplicações de estabelecer regras para a operação da plataforma e remover conteúdos quando em desacordo com os seus termos de uso ou notificados pela vítima de eventual dano; o que determina o Marco Civil é que a responsabilização do provedor dependerá de descumprimento de uma ordem judicial”.

Além disso, ainda segundo o diretor ITS, “a proibição de disponibilização do aplicativo Secret no Brasil não passa em três sempre referidos testes, criados por Lawrence Lessig em parecer no caso Napster, para se medir a adequação de uma decisão judicial ao desenvolvimento de nova tecnologia: ela não reconhece que usos lícitos podem ser desempenhados através do aplicativo, adota medida não proporcional para o atendimento dos direitos lesionados com o uso da ferramenta, e surtirá, em curto prazo, pouco efeito para a mesma proteção desses direitos à luz de novos aplicativos que surgem para desempenhar funções similares e potencialmente gravosas a depender de suas características e comportamento das empresas”.

O que o Secret pretende fazer?

“O que queremos é poder conversar com o Ministério Público Federal do Rio e as delegacias especializadas em crimes digitais, para estabelecer uma cooperação que facilite a resolução dos casos mais urgentes e o tramite das ordens judiciais envolvendo supostos casos de pedofilia ou pornografia infantil”, afirma Dirceu Santa Rosa.

A intenção é restabelecer assim que possível a disponibilidade do app da loja da Apple e evitar que seja retirado da Google Play. Para isso, além da atuação no Brasil, o pessoal do Secret também promoveu uma série de mudanças no app. São elas:

1 – Usuários brasileiros não poderão mais postar fotos no app.

2 – A idade mínima para uso do app mudou para 18+ no Itunes e Mature no Google Play Store.

3  – Usuários poderão solicitar informações através dos procedimentos dispostos no Marco Civil. O Secret se adequa a eles e, por isso mesmo, certos dados poderão ser fornecidos apenas mediante ordem judicial.”

O caso Secret é exemplar, em diversos aspectos.

Tirar o app do ar me parece o caminho mais fácil e prejudicial aos usuários que usam o app corretamente, de forma lícita. É uma atitude drástica que não educa ninguém, seja no uso de novas tecnologias ou a não cometer desvios de conduta como o bullying e crimes como pedofilia, calúnia e difamação.

Os usuários brasileiros continuarão a fazer mau uso das ferramentas disponíveis para cometerem delitos. Se não for o Secret, será outra ferramenta, outra e outra… A não ser que deixem de ter a sensação da impunidade.

O ideal seria repreender e punir de forma exemplar o autores dos delitos e dos crimes, e não as ferramentas, muito menos quem as disponibiliza de acordo com as leis vigentes no país. É claro que, no caso do Secret, a adequação ou não às nossas legislações será motivo de muito debate. O que torna o caso também uma boa oportunidade para a aplicação das leis, considerado questões típicas da era digital como a privacidade, o anonimato, a responsabilização dos intermediários, etc.

Como bem lembrou Ronaldo Lemos em sua coluna da Folha de São Paulo, os problemas estão só começando. Uma série de questões sociais e jurídicas aparecem no horizonte. E teremos que aprender a lidar com elas.

Acima de tudo, a educação será o melhor caminho para evitar futuros casos como este.

Fonte:Circuito De Luca