FOTO: Alan MyersRecentemente, o governo federalista iniciou uma parceria com a Microsoft com vistas a “promover segurança cibernética e transparência no país”. Esse entendimento surge no mesmo dia da geração do Meio de Transparência da Microsoft no Brasil, segmento da empresa responsável pela parceria.
É no mínimo curiosa a escolha da Microsoft para cuidar desse peça. A empresa não é especializada na extensão de segurança, e há diversos questionamentos a reverência de aspectos relacionados à privacidade dos usuários em relação a seus produtos; ou por outra, trata-se de empresa multinacional, que passará a ter, direta ou indiretamente, aproximação a informações confidenciais ao longo de seu trabalho com segurança em parceria com o governo brasílico; e, talvez mais importante, o governo federalista tem, ou deveria ter, uma política que privilegia o software livre, que também não é espaço de expertise da Microsoft.
Cinco dias depois desse pregão, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão demonstrou intenção de comprar um grande número de licenças de produtos Microsoft, visando (entre outros) “padronizar a tecnologia dos softwares aplicativos utilizados no contexto da APF [Administração Pública Federal]”.
Não é por casualidade que essas ações apareceram simultaneamente; ambas estão evidentemente relacionadas a uma decisão estratégica do governo de estancar-se da opção pelo software livre e aproximar-se da Microsoft e seus produtos. Se, no pretérito, já havia uma tendência dispersa nessa direção, para todos os efeitos práticos a partir de agora agora trata-se de ura solene; o software livre, pelo menos neste momento, falhou dentro do governo. Mas por quê?
Do ponto de vista técnico, o software livre em grande medida já demonstrou sua primazia, em pessoal no datacenter (embora, obviamente, as ferramentas livres não sejam perfeitas e algumas possam ser inferiores às concorrentes fechadas). Ainda assim, há dificuldades: a integração com plataformas legadas, o know-how preexistente com foco em outras tecnologias, os custos e mesmo a mera inércia são obstáculos para a modificação de sistemas governamentais, que sempre são de grande porte. No entanto, O treinamento e a adaptação para novas tecnologias são realidades constantes no mundo da tecnologia, e fugir das mudanças é somente delongar o inevitável. Também é verdade que o MS-Office é considerado padrão de mercado e, embora exista ao menos uma óptimo opção livre, sempre há dificuldades de interoperabilidade com esse “padrão”. Mas, oferecido seu tamanho, o Estado teria plenas condições de adotar o Open Document Format (que é, inclusive, homologado pela ISO e pela ABNT), levando a sua maior adoção em todo o país e minimizando o problema específico da interoperabilidade no formato de documentos. Creio, portanto, que as dificuldades técnicas, por si só, não bastam para explicar essa tendência.
Do ponto de vista financeiro, é generalidade que se defenda o software livre por não possuir dispêndio de licenças, diferentemente do que ocorre com a maioria dos produtos da Microsoft....
Essa, no entanto, é exclusivamente uma troço da história, já que licenças são uma parcela relativamente pequena dos custos das soluções de TI. Em um sem-número de casos, o governo depende da contratação de empresas para serviços de desenvolvimento, implantação, suporte etc. Nesses casos, oferecido o volume de gastos do Estado com TI, a escolha de empresas nacionais especializadas em software livre tem efeitos positivos sobre a economia brasileira, fomentando o mercado, e evita a saída de dólares do país, além de contribuir com a formação de know-how internamente. Assim, já é difícil incumbir que o uso de soluções não-livres possa acarretar economia direta significativa, e é mais difícil ainda incumbir que, dada a repercussão no mercado pátrio, essa economia seja suficiente para justificar a escolha pelo software restrito a não ser em casos excepcionais.
Do ponto de vista político, levando-se em conta as revelações de Edward Snowden e a prestígio estratégica de uma possante indústria pátrio de software em um país que já depende quase totalmente da importação no tocante ao hardware de TI, mais uma vez a escolha pelo software livre porquê regra deveria ser um consenso relativamente simples na esfera governamental.
O que nos leva ao ponto de vista pessoal: paradoxalmente, parece ser esse o ponto meão na crescente transmigração do governo para o software restrito. O que faltou para que o impulso inicial oferecido pelo governo federalista rumo ao software livre ganhasse cada vez mais corpo foi, justamente, a conquista de corações e mentes. A escolha de uma novidade instrumento tecnológica traz consigo o desconforto para aqueles que trabalham com ela: dificuldades de estágio e interoperabilidade, repetição de trabalhos já realizados para adaptação à novidade plataforma e muitas outras questões precisam ser atacadas. Assim, um decreto ou norma dando preferência a soluções livres nunca vai ser muito recebido sem que haja, também, o entendimento das equipes sobre por que realizar esse investimento de tempo e esforço — e sem que haja, também, o investimento financeiro necessário para solucionar os problemas relacionados. Isso só é provável com um trabalho recorrente de treinamento e suporte, além de campanhas de explicação.
A comunidade de software livre, em vários momentos no pretérito, mencionou a decisão do governo brasílico de privilegiar o software livre porquê uma vitória. Faltou a ela, no entanto, viabilizar essa vitória dentro da própria gestão pública. Faltou também o esforço da classe política em abraçar essa escolha e torná-la prioritária; o exposição em prol do software livre ganhou a simpatia de troço do eleitorado, mas os resultados práticos sempre ficaram muito aquém do desejável, mantendo uma exigência híbrida que nunca foi muito resolvida.
O resultado está aí. O que nos resta, agora, é voltar ao ativismo para prometer que nascente revés seja passageiro.
* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP
Com informações de (Manadeira):Código Aberto