Novas tecnologias ajudam a promover a segurança pública?

Please enable / Bitte aktiviere JavaScript!
Veuillez activer / Por favor activa el Javascript![ ? ]

Receba os artigos diretamente no seu email


Alguns governos e a sociedade civil latino-americana estão aproveitando a revolução digital para desenvolver abordagens inovadoras e dinâmicas para responder aos desafios provocados pela violência que assola a região há décadas. É o que comprova o mais recente estudo do Instituto Igarapé, “Prevenindo a violência na América Latina por meio de novas tecnologias”, com um capítulo específico abordando os resultados do Smart Policing Project, uma parceria do Instituto Igarapé com o Google e a Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). O objetivo do projeto é explorar formas de melhorar a transparência da polícia por meio da tecnologia.

De acordo com Robert Muggah e Gustavo Diniz, do Instituto Igarapé, há uma série de inovações práticas recentes no uso de TICs para a prevenção e redução de vários tipos de violência na América Latina. Algumas delas são implementadas por governos e cidadãos para resolver a questão da violência ligada ao crime organizado e a gangues envolvidas com narcóticos. Outras são mobilizadas por agências internacionais e organizações locais não governamentais e são endereçadas a formas mais veladas de violência, como a interpessoal, doméstica e infantil. O objetivo do Instituto Igarapé é propor soluções alternativas a desafios sociais complexos, como o combate e, sobretudo, a prevenção à violência, por meio de pesquisas, formulação de políticas públicas e articulação.

Os estudos na América Latina _ bem como em outras regiões da África (África do Sul e Quênia), da Ásia (Singapura e Tailândia) e do Oriente Médio _ revelam que as novas tecnologias de informação e comunicação _ notadamente os dispositivos moveis, as câmaras de vídeo e o acesso à internet _ estão sendo utilizadas para dar voz a cidadãos e aprimorar as práticas das instituições. Atores públicos e privados estão elaborando e colocando em prática plataformas digitais e novas ferramentas analíticas para mapear a insegurança online e offline de forma efetiva, com base em fontes oficiais e não oficiais.

Entre a Sociedade da Vigilância e a Sociedade do Controle, o esforço de todos deve ser o de garantir que o uso das TICs na segurança seja pautado pelos princípios que regem a Sociedade da Disciplina como vista por Foucault.

Na América do Sul os pesquisadores encontraram quatro tipos de uso das TICs na prevenção da violência. A saber:

Novas tecnologias ajudam a promover a segurança pública? 1
A maioria delas é geradora de dados e nasce, muitas vezes, da iniciativa dos próprios cidadãos para se protegerem, em alguns locais, inclusive, da própria violência policial. “Os cidadãos estão entendendo que não podem ficar esperando pela ação estruturada do poder público. Podem usar as tecnologias ao seu alcance para se protegerem”, afirma Gustavo Diniz.

No Brasil existem diversos exemplos claros de estratégias horizontais de uso das TICs para ligar cidadãos e governos. O caso mais famoso é o próprio Disque Denúncia, que foi criado em 1995 no Rio de Janeiro um período singular de violência. O sucesso do modelo fez com que ele fosse escalonado e copiado em todos os 27 Estados federativos brasileiros e mesmo exportado como solução para outros contextos latino-americanos. A despeito das críticas de incentivo ao denuncismo, iniciativas como o Disque Denúncia começam a ser encaradas como empoderamento da sociedade civil em locais onde o poder público está distante dos cidadãos. Na maioria dos casos, os idealizadores colaboram com autoridades locais e agências de polícia e justiça, seja com base em contratos de cooperação ou apenas pelo espírito de parceria. O que diferencia essas atividades das estratégias verticais é que elas se baseiam amplamente na participação cidadã e nas muitas formas possíveis de se capturar e disseminar informação.

Outras inciativas brasileiras citadas no estudo são mais pontuais e incluem abordagens que empregam tecnologias mais recentes. Um exemplo é a iniciativa Unidos pela Segurança (UPSEG) desenvolvida por uma companhia privada chamada STAL IT. Ainda em busca de um parceiro público, a plataforma emprega métodos de crowdsourcing de uma rede de 1.000 participantes voluntários (uns mais ativos que outros) para mapear incidentes violentos em algumas localidades no país. Possuindo um sistema conectado à Internet que é filtrado pelo administrador de TICs da empresa, o UPSEG procura fornecer informação verificada para o Disque Denúncia e para a polícia militar.

Sistemas de relatos de cidadãos e blogs são dois tipos de ferramentas horizontais “cidadão-cidadão” de TICs para prevenção da violência. No Brasil existem blogs que ativamente abordam o tema da prevenção da violência em comunidades recentemente pacificadas do Rio de Janeiro. Moradores de favelas e outras áreas marginalizadas, que agora são capazes de comprar tablets, computadores e smartphones e usar sistematicamente mídias sociais, estão identificando os elementos e tendências por trás da violência.

Claro, como tudo na vida, há o outro lado da moeda. Nem todas as iniciativas cidadãs são encaradas com bons olhos pelas autoridades públicas. No Brasil e no México emprega-se indiscriminadamente o Twitter e outros apps para se evitar blitz da lei seca para redução de...

acidentes de trânsito devido ao uso de álcool. Cidadãos também foram flagrados abusando do poder de disseminação de informação das TICs, relatando notícias falsas e gerando pânico generalizado em algumas situações. Há também um crescimento no uso de TICs por indivíduos para o cometimento de atos de vingança e linchamentos contra supostos criminosos, resultando frequentemente em uma violência retribuída desproporcional, ilegítima e ilegal. Mas, no geral, segundo os pesquisadores, há evidências de que algumas intervenções de TICs verticais geraram importantes reduções na violência homicida e aprimoraram a inteligência e a racionalização das forças policiais.

“Há muita experimentação em andamento”, afirma Robert Muggah. A grande maioria dos cidadãos ainda precisa se envolver na revolução digital, seja porque ainda sejam sistematicamente excluídos dela, seja porque temem retaliações. E os governos precisam se dedicar mais às análises desses dados, em plataformas que auxiliem a filtrar, categorizar e interpretar dados. Outras ferramentas indispensáveis são as que permitirão a visualização de todo esse big data gerado de forma espontânea, nas redes sociais, blogs, etc ou por iniciativas organizadas pelo próprio poder público, incluindo o uso de crowdsourcing, mapeamento geotermal e espacial, além de outras técnicas de fusão de dados essenciais para identificar áreas prioritárias (“hot spots”), melhor alocar recursos, planificar operações e medir resultados.

Na opinião dos pesquisadores, muitas instituições governamentais ainda precisam aceitar e adotar o uso de novas tecnologias em questões sensíveis como a violência organizada e interpessoal. “É preciso também criar uma cultura de denúncia na população afetada pelos problemas”, diz Gustavo Diniz. Não o denuncismo desenfreado, fruto da má-fé, da deslealdade, da improbidade, da falta de princípios, mas balizado pelo senso de Justiça e valores sólidos. Um lado não pode achar que o outro é inimigo.

A resolução do caso Amarildo, na Rocinha, é emblemático, na minha opinião, e provoquei os pesquisadores a respeito. As câmeras de vídeo instaladas pela própria polícia foram fundamentais nas investigações do carro. Assim como o desligamento do GPS da viatura policial foi um indicativo levado em conta. “Nesse caso entrou em cena o fator humano”, afirmou Robert, citando questões de treinamento e conscientização das forças policiais sobre a sua atuação. Na opinião dos pesquisadores, de modo geral, há apoio entre os policiais associados à UPP para o uso das TIC para melhorar a responsabilização da polícia em casos de prevaricação e para o gerenciamento de absolvição da polícia em casos de acusações espúrias.

O que aconteceu no caso Amarildo é um exemplo claro também dos motivos que têm levado à relutância da população em adotar iniciativas verticais (governo-cidadão), já que as novas tecnologias podem diluir e difundir a informação, constituindo uma afronta ao establishment que favoriza, ao contrário, formas centralizadas de geração de dados. “O medo de identificação do denunciante ainda é muito grande”, explica Gustavo. Ferramentas que garantam o anonimato são fundamentais para moldar o uso cidadão de TICs para prevenção da violência na América Latina e, especialmente, na Cidade do México e no Rio de Janeiro, onde as relações entre a polícia e os moradores são caracterizados pela desconfiança.

Um dos principais objetivos do projeto de policiamento inteligente do Instituto Igarapé, em parceria com a Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), é explorar formas de melhorar a prestação de contas por meio da tecnologia. Robert ressalta que a tecnologia pode, tanto melhorar a segurança física do próprio policial, quanto facilitar o patrulhamento e melhorar a prestação de contas e a supervisão do trabalho, especialmente nas UPPs.

Por exemplo, as câmeras de segurança precisam ser usadas de uma perspectiva ética. Seu uso para gravar a atividade diária remete à proteção de privacidade, tanto da polícia quanto dos cidadãos. Há também preocupações sobre como as comunidades vão reagir ao que está sendo monitorado pelo “big brother”, sobretudo tendo em conta a reputação histórica e legado das forças policiais militares no Brasil, e no Rio em particular. E, mesmo que algumas dessas questões possam ser aliviadas por meio da implantação de técnicas, como borrar o rosto das pessoas ou por campanhas de educação, elas vão persistir, e por boas razões.

Resultado: grande maioria dos cidadãos resiste a se envolver na revolução digital, seja porque ainda sejam sistematicamente excluídos dela, seja porque temem retaliações. Mas os pesquisadores estão convictos de que é preciso encorajar a incorporação sistemática de TICs nos planos nacionais e subnacionais de segurança pública, reconhecendo contudo que as novas tecnologias por si só não resolverão os desafios da violência interpessoal e organizada. “A tecnologia não é uma panaceia”, afirma Robert. É necessário promover treinamento em novas tecnologias para prevenção da violência, assim como elevar o grau de conscientização sobre suas limitações.

Querendo ou não, os avanços tecnológicos estão mudando a arquitetura das relações polícia-sociedade em todo o mundo. Novos modos de supervisão, seja por meio de entidades de segurança pública e cidadãos, estão transformando radicalmente a forma como o policiamento é realizado. Algumas tecnologias podem ser mais apropriados do que outras. No Rio, no projeto de policiamento inteligente, a possível introdução de comitês de cidadãos para monitorar tipos específicos de incidentes é uma tentativa de melhorar a confiança entre a polícia e moradores. A garantia de que os benefícios percebidos possam superar as desvantagens percebidas é essencial para o uso rotineiro das TICs para a segurança. Para os moradores locais, as TICs devem proporcionar um meio confiável de manter a polícia prestando contas.

Entre a Sociedade da Vigilância e a Sociedade do Controle, precsisamos nos esforçar para fazer com que o uso das TICs para segurança pública se pauta pela Sociedade da Disciplina, como vista por Michel Foucault.

Fonte:Circuito De Luca