A Enunciação de Independência do Ciberespaço, escrita por John Perry Barlow, cofundador da Electronic Frontier Foundation, completou 20 anos. É, talvez, sonhadora e romântica, mas expressa alguns dos sentimentos mais preciosos e entranhados da internet – o sonho em que estamos imersos, sabe-se lá por quanto tempo antes que se desmanche – ou pior, que se transforme em pesadelo (bate na madeira: arreda contratempo!).
Parece que dedos e miolos distanciaram-se. Tudo hoje é rápido, para consumo momentâneo. Pensar pode fazer perder o momento e a vantagem de ser o primeiro a ortografar. Atiramos antes de perguntar, ou mesmo entender – finalmente se errarmos, sempre poderemos pedir desculpas depois. Ou nem sempre…
Por outro lado, afirmamos estar no rumo da tolerância e simetria. A mim parecem propósitos divergentes. Espero estar falso e ficaria feliz em ser desmentido, mas me é difícil consentir: se queremos convívio, devemos viver com os nossos defeitos e com os dos outros, sem reagir visceralmente.
Lemas porquê “tolerância zero com a intolerância” são uma contraditórios. É porquê expressar “guerra à guerra”. A intolerância, um grande mal, necessita ser claramente combatida com… tolerância. Gandhi dizia que “olho por olho leva a uma terreno de cegos”. Toleremos não o erro em si, mas ao humano que erra e busquemos trazê-lo de volta à ensino e bom siso.
De um lado há uma ampla janela para expressar ideias e, de outro, um exacerbar de sensibilidades. Qualquer deslize, mesmo não proposital, pode gerar uma reação furibunda, não só de quem se sentiu “ofendido” de alguma maneira, mas da legião...
de acólitos que, ao sentir o “cheiro de sangue”, juntam-se à tenro dos justiceiros. Formam-se grupos centrados não em ideias, mas em dogmas. E porquê é fácil juntar multidões nas redes sociais…
A primeira emenda da constituição setentrião-americana emoldura a liberdade de frase. Evidente que essa liberdade não inclui gritar “queima” num cinema lotado, somente para ver o que acontece. Afora situações patológicas porquê essa, porém, as ideias devem ser livres. Diz Barlow: “Estamos criando um mundo onde qualquer pessoa, em qualquer lugar, poderá expressar suas ideias e crenças não importando o quão estranhas sejam, sem pânico de ser constrangido ao silêncio ou conformidade”. Será mesmo?
Millôr Fernandes descreveu no prefácio de “Um elefante no caos” alguma coisa que, esperemos, não seja profético: “Estávamos no último, ou num dos últimos redutos do ser humano. Depois disso viria o Término, não, porquê tantos pensavam, com um estrondo, mas com um soluço. A densa nuvem desceria não, porquê tantos pensavam, feita de moléculas radioativas, mas da grosseria de todos os dias, acumulada, aumentada, transmitida, potenciada. O varão se amesquinharia, vítima da mesquinhice de seu próprio irmão, cada dia menos sengo a um gesto de gentileza, a um relâmpago de formosura, a um olhar de paixão desinteressado, a um momento de diálogo gratuito, a um momento de silêncio, a uma termo dita com a formosura da precisa propriedade. E logo tudo começou a permanecer densamente escuro…
E o espírito não sobrenadou.”
Lutemos para que sobrenade!
/ DEMI GETSCHKO É ENGENHEIRO ELETRICISTA; ESCREVE QUINZENALMENTE
Com informações de (Nascente):Demi Getschko